.vá subindo. rodopiando a página de baixo pra cima. antes pode ler um pedaço de mim cá ao lado. depois da leitura rodopiante arrodeie pela direita. de cima pra baixo. leia. ouça. veja. e sinta.

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

.saí da prisão. uma crônica.

uma história totalmente inversa

tava na parade de ônibus. no corredor do mercado. esgueirada à sombra da semi-chuva portolaegrense. uma fila se formando. meio que fila. meio que torta. duas se separaram, uma pra cada lado. um casal ficou. aos beijos. e eu com meus livros e roteiros mal resolvidos de cinema. vem e chega um rapaz pra me pedir algo. minha primeira reação: tenho nada não. os olhos azuis me encaravam nos meus verdes. pede uma conversa. com um tanto de simpatia. um tanto de curiosidade. ele conta que acaba de sair da prisão. da condicional. que tem um papel que deveria deixá-lo de ônibus em casa. o papel só vale pra porto alegre. o destino é guaíba. não tem um tostão no bolso. saiu da prisão. ele quer voltar pra casa. aquele tanto de siceridade e o meu rio branco/anita chegando. eu não acredito que ajudo de alguma forma dando grana. dinheiro. pra fome dá-se um pão. compra um lanche que goste. pega na mão e alimenta o estômago. grana. das verdinhas. servem pra comprar cola. enganar a fome. dei à ele uma fichinha cor-de-rosa. passagem escolar que vira dinheiro na primeira curva do quadradão mercado central. entreguei a ficha. olhei nos mesmos olhos tão azuis. se cuide. e não apronte mais. entrei no ônibus. cada degrau era uma facada cruel de justiça. quem era aquele cara. o que ele fez. eu tô ajudando quem. e se ele fez algo muito ruim. e se não fez nada de mais. e se era mesmo sincero. sentei no fundo do ônibus. um misto de me esconder. misto de procurar aquele rosto. a viajem segui. e só me deixava abismada com o quê me mexeu. aonde que aquila história dele me tocou. se ele tava na cadeia devia ser um criminoso. ou não. ou sim. tamanha sinceridade foi que me tocou. os olhos nos olhos. a idade de quem podia ser qualquer amigo meu. .qualquer dos meus bons amigos. algum que um dia plantou um pé na calha. ou o que levou o pé no carro. ao meio - dia assustado. um cara de boa. .e se o cara foi preso por uma besteira qualquer. e se eu fiz a diferença. num mundo onde não se confia em ningém. onde não se estende à mão. onde as pessoas não têm espaço pra mudar. com medo. e sem saber se posso respirar fundo. aliviada. quero acreditar que ele acredite que foi um gesto de confiança. mais que isso. de acreditar nele.

naná baptista.

sexta-feira, 02 de novembro de 2007. 00:34

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